A obra é uma reunião de ensaios, não cronológicos, cuidadosamente selecionados pelos organizadores, que vão da biologia às ciências sociais, antropologia e história, com variados enfoques. Analisando discussões sobre o pensamento higienista e trajetórias da antropologia física no Brasil do século XIX, os artigos abrangem até as atuais correlações do pensamento racial com as tecnologias genômicas. Precioso material para quem estuda e se interessa pelas questões relacionadas à raça no Brasil.
Lançado originalmente há trinta anos e publicado no Brasil pela primeira vez, Raça, nação, classe traz ao leitor um profícuo debate sobre o racismo e sua relação com a luta de classes, o capitalismo e o nacionalismo. Como é possível que o racismo ainda seja um fenômeno crescente Quais são as características específicas do racismo contemporâneo. Esta obra tenta responder a essas perguntas fundamentais por meio de um diálogo entre o filósofo francês Étienne Balibar e o historiador e sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein. Ambos os autores desafiam a noção de que o racismo é uma continuação ou um retorno da xenofobia de sociedades do passado e o analisam como uma relação social indissoluvelmente ligada às estruturas sociais atuais o Estado, a divisão do trabalho e a divisão entre centro e periferia que são constantemente reconstruídas. Apesar de naturais divergências durante o diálogo, Balibar e Wallerstein enfatizam a modernidade do racismo e a necessidade de entender sua relação com o capitalismo contemporâneo. Acima de tudo, a obra revela as formas de conflito social presentes e futuras, em um mundo em que a crise do Estado é acompanhada por um aumento alarmante do nacionalismo, do chauvinismo e da xenofobia.
O livro é o resultado de debates e reflexões teóricas de pesquisadores brasileiros e britânicos sobre a negritude e etnicidade no Brasil e em outros países latino-americanos. A coletânea de textos restaura questões presentes em torno dos conceitos que permeiam a discussão sobre raça e consciência étnica, dialogando com temas como o fenômeno da construção de diferenças, genética, racismo e ativismo negro.
Às vésperas da defesa que marcou o coroamento desse trabalho fundamental para os nossos dias, Marielle Franco e Anderson Gomes eram assassinados. No caminho ao aeroporto para minha participação na banca na Universidade Federal de Uberlândia, passo pela Cinelândia lotada por manifestantes, protestando diante desse terrível fato. Quis descer e, lá, com eles, mostrar meu assombro e minha revolta. Percebi então que estava eu também a caminho de um ato público, em que uma mulher preta iria defender sua pesquisa que trata, justamente, do genocídio do povo preto.
Esta obra aborda a relação entre o racismo e a luta de classes na América Latina. Tem como objetivo central apontar o racismo como um determinante da superexploração da força de trabalho neste território. Pretendeu-se evidenciar que a permanência da negação ontológica do negro e do indígena é fundamental à reprodução das relações sociais capitalistas na América Latina: por suas origens coloniais e escravistas e, sobretudo, devido ao caráter dependente do capitalismo que aqui se desenvolve. Com base no materialismo histórico dialético e no pensamento social crítico latino-americano, buscou-se na formação econômica e social da América latina e, de maneira mais aprofundada, do Brasil - os elementos estruturantes que instituem e requerem a latente reprodução do racismo; almejando ir além da constatação das suas expressões para evidenciar a essência das contradições que o sustentam e são sustentadas por ele
A ideia central do livro do Professor Dennis de Oliveira é discutir o racismo para além dos comportamentos preconceituosos. A obra articula o conceito de racismo estrutural a totalidade histórico-social expressa concretamente pelas dinâmicas das relações sociais no capitalismo em sua etapa de acumulação flexível em um país da periferia global do capitalismo como o Brasil.
Neste volume da coleção Feminismos Plurais, pela primeira vez, a relação entre racismo e humor é aprofundada. Por um ponto de vista jurídico, o advogado, doutor em Direito, Adilson Moreira esmiúça os conceitos de racismo e injúria racial, explicitando o viés racista da Justiça brasileira quando sentencia que produções culturais, como programas humorísticos, que reproduzem estereótipos raciais não são discriminatórias por promoverem a descontração das pessoas.
Entre 2001 e 2010, a ativista e feminista negra Sueli Carneiro produziu inúmeros artigos publicados na imprensa brasileira. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil reúne, pela primeira vez, os melhores textos desse período. Neles, a autora nos convida a refletir criticamente a sociedade brasileira, explicitando de forma contundente como o racismo e o sexismo têm estruturado as relações sociais, políticas e de gênero.
A construção do livro Saberes das lutas do Movimento Negro Educador se deu em uma encruzilhada de vidas e trajetórias. Os diálogos são marcados pelos olhares, experiências, lugares de fala, militância, trajetória pessoal e acadêmica, vivências duras de preconceitos, racismo, sexismos, LGBTQIA+fobia e machismos, como também pelas lutas, conquistas e vitórias. As políticas de ações afirmativas e as transformações por elas geradas no meio acadêmico, na gestão, na inserção de sujeitos pertencentes aos coletivos sociais diversos e tratados como desiguais em nossa sociedade permearam as análises, pois são parte da experiência de todos. Quer seja como docente, discente, militante houve uma concordância durante os encontros que deram origem a esta obra: a profusão de saberes com os quais as Ciências Sociais e Humanas lidam atualmente é resultado da presença ativa, indagadora e insurgente dos sujeitos diversos, cujo direito de estar na universidade e em outros lugares hegemônicos da sociedade foi possibilitado pela implementação das ações afirmativas como política de Estado e, em especial, pela modalidade cotas raciais e sociais.
O amor foi de fato ridicularizado — não apenas a mensagem para “amar seus inimigos”, da revolução não violenta encabeçada por Martin Luther King, mas também a mensagem de construir amor-próprio, autoestima saudável e comunidades amorosas. Como a busca por poder subsumia a busca por libertação na luta antirracista, havia pouca ou nenhuma discussão sobre o propósito e o significado do amor na experiência negra, do amor na luta pela libertação. O abandono de um discurso sobre o amor, de estratégias para criar uma base de autoestima e autovalorização que reforçasse as lutas pela autodeterminação, proporcionou o enfraquecimento de todos os nossos esforços para criar uma sociedade na qual a negritude pudesse ser amada por pessoas negras, por todo mundo. A difamação do amor na experiência negra, em todas as classes sociais, tornou-se terreno fértil para o niilismo, para o desespero, para a violência terrorista contínua e o oportunismo predatório. Isso tirou de muitas pessoas negras a ação positiva necessária se quisermos nos autorrealizar coletivamente e ser autodeterminados. Muitos dos ganhos materiais gerados pela luta militante antirracista têm tido pouco impacto positivo na psique e na alma de pessoas negras, pois a revolução interior, que é a fundação sobre a qual construímos o amor-próprio e o amor pelos outros, não aconteceu [...]
Saúde da População Negra no ABC: Diálogos Com o Movimento Social a Partir da Prevenção das DST/Aids
Chimamanda Ngozi Adichie ainda se lembra exatamente do dia em que a chamaram de feminista pela primeira vez. Foi durante uma discussão com seu amigo de infância Okoloma. "Não era um elogio. ‘Percebi pelo tom da voz dele; era como se dissesse: Você apoia o terrorismo!’." Apesar do tom de desaprovação de Okoloma, Adichie abraçou o termo e - em resposta àqueles que lhe diziam que feministas são infelizes porque nunca se casaram, que são "antiafricanas" e que odeiam homens e maquiagem - começou a se intitular uma "feminista feliz e africana que não odeia homens, e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma, e não para os homens". Neste ensaio preciso e revelador, Adichie parte de sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para mostrar que muito ainda precisa ser feito até que alcancemos a igualdade de gênero. Segundo ela, tal igualdade diz respeito a todos, homens e mulheres, pois será libertadora para todos: meninas poderão assumir sua identidade, ignorando a expectativa alheia, mas também os meninos poderão crescer livres, sem ter que se enquadrar em estereótipos de masculinidade.
Nesta série de ensaios, Fred Moten e Stefano Harney recorrem à tradição radical negra para pensar questões candentes relacionadas à proliferação da lógica e da logística capitalista no universo acadêmico e no mundo social. Partindo da experiência de exclusão social e existencial das pessoas negras, indígenas, queers e pobres, os autores teorizam sobre as possibilidades criativas de vida nos “sobcomuns”, entendido como o espaço ocupado por aqueles espoliados da subjetividade mesma e defendido como uma espécie de reduto das rupturas históricas provocadas pelo capital. Os “sobcomuns” são aqueles que permanecem sob o radar do controle capitalista, às margens da ordem social, refratários à assimilação pelo sistema e lutando por outras formas de conviver, sentir e trabalhar. Ao recorrer a esse repositório, Moten e Harney encontram experiências como a quilombagem, os protestos e manifestações de massa, os boicotes, a desobediência civil, as revoltas de escravizados e as insurreições anticoloniais, e a partir delas propõem repensar toda uma gramática estabelecida pelo capitalismo contemporâneo: dívida e crédito; vigilância e controle; o sentido de diretivas e da governança; as noções de estudo e planejamento coletivo; o lugar da Universidade e das instituições educacionais; os limites das estruturas administrativas e governamentais existentes. Afinal, é no rastro das estratégias “fugidias” dos sobcomuns, defendem os autores, que poderemos encontrar princípios anticapitalistas de recusa das injustiças, resistência coletiva e auto-organização.
“Sou uma lésbica, negra, feminista, guerreira, poeta, mãe, mais forte por causa de todas as minhas identidades, e sou indivisível”, é assim que Audre Lorde assim se definia para seus leitores e ouvintes. O presente livro reúne cerca de vinte textos, vários deles inéditos, encontrados em seu arquivo. São ensaios, aulas, palestras, apresentações e um diário íntimo que acompanha sua vida após o diagnóstico de câncer no fígado. Pioneira da abordagem interseccional no feminismo, Lorde colocava no mesmo plano a opressão e a dominação de mulheres, homossexuais, populações racializadas e despossuídos de todo o mundo, fazendo com que suas lutas se tornassem uma só, sem hierarquizá-las.
Relato tocante e surpreendente que costura depoimento pessoal, imaginação sociológica e narrativa biográfica, Submundo é um livro único. Abdias ora narra, ora cede a palavra aos companheiros de cárcere; ouve confissões, pergunta, pondera, se compadece. Entremeado na história, o autor faz uma rara e preciosa reconstrução da gênese do Teatro do Sentenciado, antecessor do TEN (Teatro Experimental do Negro), que viria a se tornar um marco na história da dramaturgia brasileira.
Neste livro que já se tornou uma obra de referência, o autor apresenta uma introdução contundente à teologia negra, cuja origem remonta à década de 1960, na África, nos Estados Unidos e no Caribe. Vinculada às lutas antirracistas e à segregação racial, é uma resposta do povo negro a uma teologia imposta como única e universal. Enraizada na narrativa histórica do Êxodo, é interpretada não apenas como um evento de libertação física, mas também como uma metáfora holística para a libertação espiritual e social.
Nesta história do pensamento e da militância dos intelectuais negros, Paulina Alberto mostra que esses pensadores e ativistas tiveram um impacto fundamental nos discursos sobre a “democracia racial” e outros termos de inclusão cultural e política no século XX. Com base em uma grande variedade de fontes, incluindo a prolífica imprensa negra, a autora constata que os intelectuais negros em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador mudaram as formas de se engajar nos discursos raciais oficiais na medida em que, devido a processos históricos mais amplos, o horizonte para a verdadeira inclusão parecia expandir-se, num primeiro momento, para logo depois se estreitar.
Tornar-se negro foi pioneiro ao conectar a psicanálise com a questão racial. De forma inovadora e potente, a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza dedicou um estudo acadêmico à vida emocional de negros e negras, justificado pela absoluta ausência de um discurso nesse nível elaborado pelo negro acerca de si mesmo. Partindo da própria experiência de ser negra numa sociedade de hegemonia branca, Neusa analisa uma série de depoimentos dados a ela, assinalando neles as consequências brutais do racismo e da introjeção do padrão branco como o único caminho de mobilidade social para o negro. São histórias de vida de dez personagens que se autodefinem e falam das estratégias para a ascensão, cujo custo emocional é o da sujeição, negação e apagamento de suas identidades, sua cultura e seus corpos. Intelectual brilhante, Neusa Santos Souza deixou imensa contribuição para o movimento negro e a prática psicanalítica.
A partir de uma pesquisa bibliográfica aprofundada e de entrevistas e relatos de mulheres de diferentes idades e origens que exercem a profissão de trabalhadoras domésticas, este 11º volume da Coleção Feminismos Plurais traça um painel histórico e social do trabalho doméstico no Brasil. A autora Juliana Teixeira uniu sua experiência pessoal como filha de uma trabalhadora doméstica com sua pesquisa de doutorado em Administração apresentado ao Centro de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais - CEPEAD/UFMG para traçar as origens históricas escravocratas da condição atual da mulher trabalhadora doméstica e discutir a importância da regulamentação dessa atividade, além das interseccionalidades de entre gênero, raça e classe desse grupo, assim como o racismo estrutural e o papel da branquitude no assunto, seja por meio de suas ações ou dos silenciamentos que promove. Trabalho Doméstico apresenta uma discussão indispensável, escancarando as desigualdades e opressões sofridas pela categoria e enfatizando a presença da nossa herança colonial escravista ainda na sociedade atual.
Quem eram os traficantes de africanos escravizados? Como se dava a sua participação no negócio nefasto de compra e venda de seres humanos? Qual a sua inserção na sociedade? Depois das manifestações do Black Lives Matter após o assassinato de George Floyd, nos EUA, e da derrubada da estátua do traficante Edward Colston, em Bristol, na Inglaterra, em 2020, tais perguntas estão na ordem do dia. E sendo o Brasil a principal nação escravista das Américas, responsável pela importação de mais de cinco milhões de africanos em mais de 300 anos de tráfico, as respostas tornam-se ainda mais urgentes.
A coletânea reúne parte da produção acadêmica do Encontro Transdisciplinar de Afrobrasilidades, no Rio de Janeiro, com o intuito de mostrar que as diversas maneiras de se falar sobre afrobrasilidade transcendem seus campos de convergência , expondo o caráter transdisciplinar do tema capítulos como patrimônio cultural e colecionismo, relações raciais em sala de aula, religião e subjetividade social, Lei 10.639,imagens e movimentos, cultura afro-brasileira e cotidiano escolar, práticas culturais e música.
O que é o amor, afinal? Será esta uma pergunta tão subjetiva, tão opaca? Para bell hooks, quando pulverizamos seu significado, ficamos cada vez mais distantes de entendê-lo. Neste livro, primeiro volume de sua Trilogia do Amor, a autora procura elucidar o que é, de fato, o amor, seja nas relações familiares, românticas e de amizade ou na vivência religiosa. Na contramão do pensamento corrente, que tantas vezes entende o amor como sinal de fraqueza e irracionalidade, bell hooks defende que o amor é mais do que um sentimentos, é uma ação capaz de transformar o niilismo, a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura. É através da construção de uma ética amorosa que seremos capazes de edificar uma sociedade verdadeiramente igualitária, fundamentada na justiça e no compromisso com o bem-estar coletivo. Em uma sociedade que considera falar de amor algo naïf, a proposta apresentada por bell hooks ao escrever sobre o tema é corajosa e desafiadora. E o desafio é colocarmos o amor na centralidade da vida. Ao afirmar que começou a pensar e a escrever sobre o amor quando encontrou “cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos”, e que o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor, porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa, bell hooks faz a defesa da prática transformadora do amor, que manda embora o medo e liberta nossa alma. Assim, ela nos convoca a regressar ao amor. Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo, falar de amor pode ser revolucionário.
Em 2002, Ana Maria Gonçalves (Ibiá/MG, 1970) abandonou a agência de publicidade em que trabalhava em São Paulo e isolou-se na Ilha de Itaparica (BA), onde passou seis meses escrevendo seu primeiro romance, Ao lado e à margem do que sentes por mim, marcado pelo registro intimista. O livro teve pimorosa edição artesanal e foi vendido pela própria autora pela internet. Em 2006, publicou Um defeito de cor pela Editora Record, livro pelo qual recebeu o prestigioso Prêmio Casa de Las Américas e foi incluído na lista da Folha de S.Paulo como o sétimo entre 200 livros mais importantes para entender o Brasil em seus 200 anos de independência. Em 2016, a leitura dramática de sua peça inédita Tchau, querida! foi dirigida por Wagner Moura. E, em 2017, colaborou com textos para a peça Chão de pequenos, da Companhia Negra de Teatro, dirigida por Tiago Gambogi e Zé Walter Albinati.
Este livro é um convite para se reconectar com o poder utópico do feminismo, com um imaginário capaz de provocar uma transformação drástica da sociedade. Francesa criada na ilha da Reunião, Françoise Vergès lança mão de uma terminologia nova para descortinar a realidade das mulheres “racializadas”, empregadas domésticas e faxineiras provenientes dos países do “Sul global”, que limpam o mundo. Ela reivindica “um feminismo decolonial”, aberto a questionamentos, análises e mudanças, mas radicalmente antirracista, anticapitalista e anti-imperialista. À diferença do termo “descolonização”, que diz respeito aos processos históricos que sucederam o fim da relação colonial oficial, "decolonial", um neologismo já consolidado no debate francês, se refere à necessidade de denunciar e tornar visível o que permanece vigente, porém negado, da estrutura colonial nas sociedades pós-coloniais. Assim, um feminismo decolonial, antipatriarcal e anticapitalista, é aquele que leva em conta as consequências da colonização nas relações atuais para repensar o feminismo por dentro, obrigando-o a entrecruzar além de questões de gênero e raça, já bem mapeadas pelo feminismo negro, a variável da desigualdade social ligada ao capitalismo. A descrição crua e verdadeira de fatos cotidianos atinge em cheio o que Vergès chama de feminismo “civilizatório”, aquele defendido por mulheres “brancas e burguesas” europeias que tipicamente reivindicaram desde os anos 1960 direitos iguais em relação aos homens de sua própria classe, as classes média e alta privilegiada. Para a autora, o feminismo deve ser necessariamente multidimensional, incluindo em sua reflexão raça, sexualidade e classe. A leitura deste texto é uma pancada de lucidez que faz perceptíveis as evidências que nos negamos a ver da opressão normalizada que sofrem milhões de mulheres em todo o mundo.
Pensadora insurgente à frente de seu tempo, Beatriz Nascimento dedicou-se a resgatar a história do negro no Brasil — algo ainda a ser construído, ela defendia. Uma história negra, feita por pessoas negras, com o intuito de romper com quatro séculos de invisibilização numa sociedade da qual elas participaram em todos os níveis. Com organização primorosa do antropólogo Alex Ratts, os 24 textos aqui selecionados reafirmam os aspectos centrais de sua obra — as relações raciais e de gênero; as formulações sobre a contribuição do negro na construção da sociedade brasileira; a recusa do discurso que reduz a problemática racial a uma questão econômica e social, sem uma compreensão existencial do indivíduo; e, sobretudo, as pesquisas sobre os quilombos no Brasil, suas relações com a África e como se reconfiguraram para ser não apenas espaço de resistência, mas um sistema social alternativo.
Escrito por pesquisadoras e pesquisadores negros de diferentes lugares do Brasil, o livro resgata personalidades negras que merecem ser reconhecidas por suas contribuições à História. 16 textos apresentam escravizados, recém-libertos, líderes espirituais, políticos, educadores, artistas de diversos campos, mulheres que estudaram e empreenderam a despeito de todos os preconceitos de gênero e de raça, mulheres que abriram caminhos com suas próprias mãos. Em suma, pessoas que viveram em suas épocas e marcaram a nossa História. Viabilizado graças a uma iniciativa do empresário Maurício Rocha, em parceria com o selo Sueli Carneiro, coordenado por Djamila Ribeiro, o livro contribui para a construção de uma nova identidade brasileira, por meio do resgate de uma consciência ancestral e coletiva.
Na contramão do feminismo carcerário e punitivista, a cientista política Françoise Vergès, autora de Um feminismo decolonial (Ubu Editora, 2020), propõe uma crítica do recurso à polícia e à judicialização dos problemas sociais, e pergunta: como podemos proteger as populações vulneráveis – incluindo mulheres, migrantes, pessoas pobres e racializadas, minorias trans e queer, sem recorrer ao sistema penal que foi concebido justamente para criminalizá-las? Sua análise não apresenta soluções prontas para acabar com as violências de gênero e sexuais, mas visa contribuir para a reflexão sobre a violência como componente estruturante do patriarcado e do capitalismo, e não como uma especificidade masculina.
No comovente e aguardado primeiro volume de suas memórias presidenciais, Barack Obama narra, nas próprias palavras, a história de sua odisseia improvável, desde quando era um jovem em busca de sua identidade até se tornar líder da maior democracia do mundo. Com detalhes surpreendentes, ele descreve sua formação política e os momentos marcantes do primeiro mandato de sua presidência histórica ― época de turbulências e transformações drásticas. Obama conduz os leitores através de uma jornada cativante, que inclui suas primeiras aspirações políticas, a vitória crucial nas primárias de Iowa, na qual se demonstrou a força do ativismo popular, e a noite decisiva de 4 de novembro de 2008, quando foi eleito 44º presidente dos Estados Unidos, o primeiro afro-americano a ocupar o cargo mais alto do país.
Vamos falar de relações raciais? Crônicas para debater o antirracismo , de Cidinha da Silva, é muito mais do que um simples livro. É uma obra colaborativa, gestada por diversas mãos que se uniram em meio aos desafios da pandemia para trazer à luz um material rico e provocativo.
O racismo nos Estados Unidos sempre foi o meio utilizado pelos homens brancos mais poderosos do país para justificarem seu governo, ganharem dinheiro e manterem o resto de nós à distância. Por essa razão, o racismo, o capitalismo e o domínio de classe sempre se entrelaçaram de tal maneira que é impossível imaginar um sem o outro." Eis uma das conclusões de #VidasNegrasImportam e libertação negra, de Keeanga-Yamahtta Taylor. "Não é preciso dizer que assassinato e brutalidade policiais são apenas a ponta do iceberg quando se trata do sistema de justiça criminal estadunidense", continua, trazendo mais uma dimensão à sua análise, aplicável também ao Brasil: "É impossível entender o intenso policiamento nas comunidades negras sem analisar as décadas de 'guerra às drogas' e o encarceramento em massa.
A produção acadêmica e intelectual de Giovana Xavier em Você pode substituir não lembra a sisudez a que o Brasil nos acostumou. Mesmo quando enfileira complexas teorias, ela é clara - melhor dizendo, escura. É perspicaz e cirúrgica. É divertida, ora irônica. É generosa. De todos os substantivos que compõem o balaio de qualidades de Giovana, a generosidade é a mais evidente. Ela não só nomeia as pensadoras diplomadas que a influenciaram, de Kimberlé Crenshaw a bell hooks, de Conceição Evaristo a Djamila Ribeiro, mas também reconhece e louva a intelectualidade de mulheres que a desigualdade, o machismo e o racismo brasileiros teimavam em invisibilizar. Giovana inova com sua profissão de fé na História em primeira pessoa. Provoca ao apontar o bolor das interpretações estereotipadas. Ousa ao teorizar sobre surfe, rap, férias, rebolado, orixá, literatura, Baco Exu do Blues, teatro - tudo junto e misturado. Cruza territórios, escrutina personagens, reinterpreta narrativas. Seu livro, como ela, é reflexão vezes nove. Aperte o cinto e viaje.
A vida dos africanos não se limitou à escravização e à destruição de suas formas anteriores de organização social. Ultrapassada a experiência marcante da travessia do Atlântico, milhões de vidas foram reinventadas mesmo sob condições terrivelmente adversas. Novas devoções, formações familiares, línguas, novos alimentos: tudo estava por ser feito nas diferentes formas de resistência mobilizadas para a sobrevivência. E sobreviver era a maior resistência, sem mencionar que o aprendizado da narrativa da própria história em moldes compreensíveis aos interlocutores que se pretendia alcançar era uma prova inegável de vitalidade. […] O autor não se deixou intimidar pela fonte inusitada no ambiente dos historiadores profissionais no Brasil e encarou assuntos sobre os quais autores abalizados pareciam já haver dito tudo, como é o caso dos significados da liberdade para quem os construiu. Enfrentar esses desafios são a prova de maturidade intelectual que Rafael nos dá. Se essa prova serve para habilitá-lo no ofício, o livro também traz ao leitor uma escrita fina, bem construída e prazerosa. Os maus escritores que me perdoem, mas escrever bem é tarefa da qual o historiador não deve descuidar. Leitor, adentre sem medo, que o livro é bonito demais!
Essa publicação surge do trabalho que reúne Ações de Pesquisa e Extensão, com Mulheres Negras no NEALA – Núcleo de Estudos Afro-Latino-Americanos da UNILA – Universidade Federal da Integração Latino Americana. As escritas foram construídas de forma coletiva e dialogada, e nesses artigos as trajetórias de vida se encontram, se cruzam, a partir dos relatos, das falas e das escritas. Por isso, as autoras são todas as que participam da construção da narrativa, seja ela escrita ou oral. São trajetórias intelectuais que resistem, apesar das adversidades. E como nos ensinam Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento e todas as mulheres que participaram da tessitura desta obra, as escrevivências, as amefricanidades, os aquilombamentos precisam ser pensados para além da resistência.
Interseções, diálogos e caminhos. Esses são os eixos condutores dos artigos que compõem esta coletânea, que expande a discussão apresentada no livro Vozes negras em comunicação: mídia, racismos, resistências, de 2019. Aqui, a leitora e o leitor terão a oportunidade de conhecer análises, reflexões e perspectivas que vão além do euroreferenciamento hegemônico no campo intelectual brasileiro. São vozes negras e antirracistas referenciadas nas experiências afro-brasileiras e afrodiaspóricas e que nos colocam diante de uma instigante produção de conhecimentos emancipatórios.