Tudo é pioneiro nesta obra - a idéia original do Projeto 1000 Mulheres, a envergadura mundial que adquiriu, a complexidade do trabalho de seleção das mulheres aqui perfiladas, o painel final deste Brasil de ação feminina. E a teia feminina se pôs em marcha, garimpando em todos os estados, investigando o amplo leque da ação transformadora da mulher. Brotou um Brasil vibrante, comovente, engajado. Dificilmente haverá unanimidade em torno dos 52 nomes. Nem poderia haver. Felizmente o leque de brasileiras anônimas ou notáveis que atuam por um país mais justo não cabe em um livro.
Ao discutir as relações entre gênero, mídia e política no Brasil, Caleidoscópio convexo discute a maneira como os meios de comunicação se portam ao veicularem notícias do cenário político e destaca as consequências de uma divulgação que privilegia a presença masculina em cargos públicos e reforça a sub-representação política das mulheres.
O Brasil é o recordista mundial de cesáreas. Aqui, de 52% a 88% dos partos são cirúrgicos na rede pública e na rede privada, respectivamente. Porém, não é só o alto número de cesarianas que chama a atenção, mas o que está por trás disso: as cesáreas são a escolha da maior parte das gestantes e dos profissionais que cuidam delas. Nesta obra, a autora - antropóloga e feminista - pesquisou um grupo que que optou por parir diferentemente: da maneira mais natural possível. Ela quis seguir na contramão para encontrar as famílias que buscam a humanização do nascimento. A pesquisadora constatou que essas mulheres queriam tomar as rédeas da situação: ser as protagonistas de suas próprias histórias, dizendo em alto e bom som que o que acontece na cena de parto, em geral, não lhes agrada. E essa tomada de decisão as empoderou. A autora ouviu de duas delas: Eu tenho muito mais confiança em mim e naquilo que posso fazer e viver e isso é realmente incrível e Hoje, eu acho que posso tudo. Apesar de não terem tido experiências com o feminismo, certamente, elas têm muito a acrescentar ao movimento.
As acadêmicas feministas desenvolveram um esquema interpretativo que lança bastante luz sobre duas questões históricas muito importantes: como explicar a execução de centenas de milhares de 'bruxas' no começo da Era Moderna, e por que o surgimento do capitalismo coincide com essa guerra contra as mulheres. Segundo esse esquema, a caça às bruxas buscou destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre sua própria função reprodutiva, e preparou o terreno para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor. Essa interpretação também defende que a caça às bruxas tinha raízes nas transformações sociais que acompanharam o surgimento do capitalismo. No entanto, as circunstâncias históricas específicas em que a perseguição às bruxas se desenvolveu — e as razões pelas quais o surgimento do capitalismo exigiu um ataque genocida contra as mulheres — ainda não tinham sido investigadas. Essa é a tarefa que empreendo em Calibã e a bruxa, começando pela análise da caça às bruxas no contexto das crises demográfica e econômica europeias dos séculos XVI e XVII e das políticas de terra e trabalho da época mercantilista. Meu esforço aqui é apenas um esboço da pesquisa que seria necessária para esclarecer as conexões mencionadas e, especialmente, a relação entre a caça às bruxas e o desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo. No entanto, convém demonstrar que a perseguição às bruxas — assim como o tráfico de escravos e os cercamentos — constituiu um aspecto central da acumulação e da formação do proletariado moderno, tanto na Europa como no Novo Mundo.
Chegou a hora de extirpar a supremacia branca de dentro do feminismo Desde sua origem, o feminismo se baseou na experiência de mulheres brancas de classe média e alta, que há muito se autoproclamaram as especialistas no assunto. São elas que escrevem, palestram, dão entrevistas. Ao mesmo tempo, para manter seus privilégios, demarcam a branquitude do movimento ao sobrepor suas falas às das mulheres de pele negra e marrom. No entanto, o diálogo só será possível quando todas as mulheres estiverem em patamares iguais. E é partindo do princípio de igualdade na diversidade que Rafia Zakaria, muçulmana, advogada e filósofa política, defende uma reconstrução do feminismo. Contra o feminismo branco é um contramanifesto que insere as experiências de mulheres de cor no centro do debate. Em uma leitura direta e impactante, a autora questiona desde pensadoras como Simone de Beauvoir a produtos culturais como Sex and the City . O resultado é uma obra crítica à adesão do feminismo branco ao patriarcado, à lógica colonial e à supremacia branca. Ao seguir a tradição de suas antepassadas feministas interseccionais Kimberlé Crenshaw, Adrienne Rich e Audre Lorde, Zakaria refuta a indiferença política e racial do feminismo branco em uma crítica radical, na qual coloca o pensamento feminista negro e marrom na vanguarda.
Corpos, territórios e feminismos finca os pés nos territórios que vêm sendo alvo de projetos extrativistas — terras habitadas por populações tradicionais, cujo modo de vida entra em conflito direto com as diretrizes capitalistas — para entender como os povos estão resistindo à despossessão. Por meio de uma pesquisa militante, as autoras puderam compreender que essa resistência é liderada sobretudo por mulheres. São elas que mais sofrem o impacto da devastação e, portanto, as que mais se dispõem a lutar contra o seu avanço.
m “Cozinha é lugar de mulher?” Bianca Briguglio procura desmistificar o mundo da gastronomia como vem sendo apresentado na mídia hegemônica nos últimos anos. A representação glamourizada do trabalho em cozinhas, baseado na paixão e dedicação de resignados profissionais dispostos a tudo para obter sucesso e reconhecimento. O que a autora revela, baseada em sua pesquisa de doutorado e entrevistas com cozinheiros e cozinheiras, é um cotidiano atravessado por longas e duras jornadas de trabalho, baixos salários, informalidade, rotatividade e, em muitos casos, assédio moral e sexual. A partir de uma perspectiva sociológica que considera as relações de gênero, classe e raça/ etnia, a autora apresenta um panorama sobre a realidade dos profissionais de cozinhas que ultrapassa o ambiente de trabalho, relacionando-se ao trabalho doméstico, ao tempo dedicado à família, lazer e descanso. A extensão da jornada, assim como as condições de trabalho e a necessidade de realizar uma série de outras atividades para gerar renda, tem impacto decisivo sobre as relações pessoais e dentro das famílias, de maneira diferente para homens e mulheres, brancos e não brancos. A masculinização das cozinhas profissionais, um processo histórico que a autora investiga, desemboca em obstáculos e dificuldades adicionais para as mulheres neste segmento profissional, sobretudo as mulheres negras, que se deparam com o machismo e o racismo combinados.
A indústria do sexo é uma fonte inesgotável de drama lascivo para a grande mídia. Nos últimos anos, assistimos a um pânico generalizado em relação aos “distritos da luz vermelha online”, que supostamente seduzem mulheres jovens e vulneráveis para uma vida de degradação. A tendência atual de escrever e descrever experiências reais de trabalho sexual alimenta uma cultura obcecada pelo comportamento das profissionais do sexo. Raramente esses relatos temerosos vêm das próprias trabalhadoras, e nunca se desviam da posição – comum entre feministas e conservadoras – de que essa indústria deve ser abolida e as trabalhadoras devem ser resgatadas de sua condição. Dando uma de puta desmantela os mitos generalizados sobre o tema, critica ambas as condições dentro da indústria do sexo e sua criminalização, e argumenta que separar esse trabalho da economia “legítima” só prejudica aqueles que realizam trabalho sexual. Aqui as demandas das profissionais do sexo, por muito tempo relegadas às margens, ocupam o centro do palco: o trabalho do sexo também é trabalho, e os direitos das profissionais do sexo são direitos humanos.
Uma das ensaístas e feministas mais relevantes da atualidade, Rebecca Solnit examina os principais temas que permeiam o debate contemporâneo — do assédio sexual à crise climática. Quem escreve as narrativas de nossos tempos? Em cada debate, uma batalha está sendo travada: de um lado, mulheres e pessoas não brancas, não binárias e não heterossexuais finalmente podem contar a história com sua própria voz; de outro, pessoas brancas — sobretudo do gênero masculino — se apegam às versões de sempre, que contribuem para manter seu poder e status quo. Em vinte ensaios atualíssimos, a autora de Os homens explicam tudo para mim e A mãe de todas as perguntas avalia essas discussões, por que elas importam e quais são os desafios que temos pela frente.
Este livro chega ao Brasil em um momento particularmente fecundo para o enfrentamento dos muitos problemas que Butler aponta: esta tem sido uma época especialmente desfavorável para mulheres, homossexuais, lésbicas e pessoas trans, com índices de violência impressionantes. Autora incontornável no que diz respeito às reflexões sobre formas de segregação, Butler está “desfazendo” o conceito de gênero como único e exclusivo recorte para análise das injúrias e violações a que as chamadas “pessoas dissidentes de gênero” são submetidas.
Nos ensinaram a obedecer. Nos ensinaram a obedecer sem nunca nos perguntar se concordávamos com as regras ou se desejávamos qualquer coisa relacionada a elas. Nos ensinaram a abolir nossos desejos para sermos respeitadas. A pautar nosso valor pelo olhar do outro. A nos largar pelo caminho para construir e cuidar a vida dos que nos rodeiam. Nesse caminho imposto, não sobra nada nosso. Não sobra a gente. Para interromper esse percurso, é preciso desobedecer às regras, as que não foram criadas nem pelas mulheres, muito menos para as mulheres. Em Desobediência, Iana Villela, uma “desobedecedora” de regras, navega por fatos cotidianos e nos leva a refletir sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea.
Renova o campo de estudos sobre prostituição no Brasil ao tratá-la como lugar de sociedades e de operação de relações de poder. Ao seguir a trajetória de quatro lideranças da prostituição, exercida por mulheres, no centro de Porto Alegre – RS, o autor nos leva a um diálogo com a produção antropológica e literária sobre o tema.